O Instituto Nacional do Câncer estima que para cada ano do triênio 2020/2022 serão diagnosticados no Brasil 8.460 novos casos de câncer infanto-juvenis e que a incidência de câncer nos brasileiros entre 20 a 49 anos aproxima 22%. A crescente incidência de câncer em crianças, adolescentes e adultos ainda em idade reprodutiva geram preocupações sobre o impacto da doença e seu tratamento na fertilidade dos indivíduos afetados. Mas como os tratamentos de câncer podem afetar a fertilidade masculina?
Cirurgia
Nos homens, a remoção de ambos os testículos, cirurgias radicais de próstata ou bexiga, coletoria (remoção parcial ou total do cólon) ou cirurgia da coluna anterior resultam em infertilidade. Danos aos nervos na área pélvica podem causar a perda da capacidade de ejacular enquanto que dissecções de linfonodos retroperitoneais podem resultar em ejaculação retrógrada.
Radioterapia
A radiação pode ser administrada diretamente aos testículos, como no caso do tratamento da leucemia testicular ou como parte da irradiação corporal total, ou nos casos onde o transplante de medula óssea se faz necessário no tratamento do câncer. Radiação espalhada é o termo usado para descrever a radiação que ocorre em áreas fora do campo de tratamento, mas próximas a ele. Exemplos de locais de radiação que podem resultar em radiação espalhada para os testículos incluem o bombardeamento de gânglios linfáticos na parte inferior do abdômen ou na parte superior da coxa. Embora as blindagens de chumbo sejam usadas para proteger o testículo quando o campo de tratamento está próximo, exposições à radiação ainda podem ocorrer.
A irradiação testicular para tratar o carcinoma do testículo frequentemente emprega doses de radiação entre 16-18 greys e está associada a uma alta taxa de infertilidade permanente. Mesmo doses consideradas baixas, como 600 centigrays (600cGy), causam danos irreversíveis às espermatogônias (células que se tornarão espermatozoides) e doses inferiores ainda resultam em queda temporária no número e na qualidade dos espermatozoides produzidos.
A insuficiência testicular secundária pode ocorrer após a radioterapia no cérebro quando a intervenção danifica hipotálamo e a pituitária, o que leva à redução dos níveis dos hormônios FSH e LH, necessários para estimular as espermatogônias e as células de Leydig (responsáveis pela produção de testosterona). Consequentemente, a produção de espermatozoides e testosterona são comprometidas e infertilidade é um resultado potencial.
Quimioterapia
As espermatogônias e, em menor medida, as células de Leydig podem ser afetadas adversamente por quimioterápicos. Por inibirem a síntese do DNA e causarem lesões irreparáveis do material genético, as drogas alquilantes são as que mais significativamente afetam a fertilidade, podendo levar à azoospermia (ausência de espermatozoides no sêmen). Outras classes de quimioterápicos são consideradas menos tóxicas, mas também podem afetar a fertilidade, especialmente quando usadas em combinação com outras drogas (ver tabela 1). Embora os efeitos colaterais vêm sendo minimizados com os avanços na administração de quimioterapia, como o uso de agentes sinérgicos em baixas doses, o risco de infertilidade permanece.
Terapia hormonal
Usada para tratar câncer de próstata ou outros tipos de câncer, essa terapia pode afetar hormônios importantes na função reprodutiva masculina e comprometer a produção e a qualidade dos espermatozoides. Esses tratamentos também podem causar a diminuição do desejo sexual e problemas de ereção, embora estes efeitos tendam a melhorar quando esses medicamentos são interrompidos.
Terapias com medicamentos biológicos
Produzidos por biossíntese em células vivas, os medicamentos biológicos, particularmente os anticorpos monoclonais, ganharam amplo uso no tratamento do câncer. Entretanto, pouco se sabe sobre os efeitos destes medicamentos na fertilidade. Scovell e colegas (2020) estudaram o tecido testicular de sete homens que receberam monoclonais (ipilimumab, nivolumab, ou pembrolizumab) para combater o melanoma metastático e revelaram que a terapia afetou a espermatogênese.
É importante ressaltar que é difícil prever exatamente quais homens desenvolverão infertilidade permanente após o tratamentos de câncer. Questões individuais, como a fertilidade pré-câncer e a influência do próprio câncer, também desempenham um papel importante no resultado. Por exemplo, metade dos homens com câncer testicular e 40% dos homens com doença de Hodgkin têm baixa contagem de espermatozoides no momento do diagnóstico, antes de quaisquer intervenções. Felizmente avanços na medicina reprodutiva podem ajudar os pacientes com câncer a manter sua janela de fertilidade aberta, mesmo diante dos efeitos potencialmente negativos dos tratamentos. Afinal, hoje em dia os pacientes têm uma melhor taxa de sobrevivência e por isso mesmo podem eventualmente almejar ter filhos. O caminho é a preservação da fertilidade sobre a qual discursaremos no próximo post.
MF Fertilidade Masculina
A MF Fertilidade Masculina é especializada em infertilidade masculina e oferece serviço laboratorial para a realização de exames, garantindo qualidade e procedência de resultados.
Localizada em um ponto estratégico de Belo Horizonte, a clínica oferece conforto e privacidade para os pacientes que precisam de tratamento em infertilidade e saúde sexual masculina.
Grupo | Droga | Diagnóstico | Efeito na espermatogênese |
---|---|---|---|
Agentes alquilantes | Ciclofosfamida, bussulfano, clorambucila, procarbazina, etc. | LH, LNH, TCG, sarcomas | Pode induzir azoospermia dentro de 90 dias |
Agentes à base de Platina | Cisplatina, carboplatina | LH, LNH, TCG, câncer de bexiga | Afeta espermatogênese , possíveis aberrações cromossomais |
Alcaloides da vinca | Vincristina, vimblastina | LH, LNH, leucemia | Espermatogênese interrompida, motilidade reduzida dos espermatozoides |
Antimetabólitos | Citarabina | LH, LNH, leucemia, câncer de bexiga, câncer coloretal | Afeta espermatogênese, possíveis aberrações cromossomais |
Inhibidores de topoisomerase | Etoposídeo, doxorubicina | LH, LNH, TCG, sarcomas | Citotóxicos com possíveis aberrações cromossomais |
Legenda: LH: linfoma de Hodgkin, LNH: linfoma não-Hodgkin, TCG: tumor de células germinativas (células que dão origem aos espermatozoides e óvulos). Adaptado de Howell and Shalet (2005) e Osterberg et al (2014)
Referencias
Borgmann-Staudt, A., Rendtorff, R., Reinmuth, S., Hohmann, C., Keil, T., Schuster, F. R., Holter, W., Ehlert, K., Keslova, P., Lawitschka, A., Jarisch, A., & Strauss, G. (2012). Fertility after allogeneic haematopoietic stem cell transplantation in childhood and adolescence. Bone marrow transplantation, 47(2), 271–276. https://doi.org/10.1038/bmt.2011.78
Ghasemi, B., Mosadegh Mehrjardi, A., Jones, C., & Ghasemi, N. (2020). Semen analysis of subfertility caused by testicular carcinoma. International journal of reproductive biomedicine, 18(7), 539–550. https://doi.org/10.18502/ijrm.v13i7.7371
Grigg, A. P., McLachlan, R., Zaja, J., & Szer, J. (2000). Reproductive status in long-term bone marrow transplant survivors receiving busulfan-cyclophosphamide (120 mg/kg). Bone marrow transplantation, 26(10), 1089–1095. https://doi.org/10.1038/sj.bmt.1702695
Howell, S. J., Radford, J. A., Ryder, W. D., & Shalet, S. M. (1999). Testicular function after cytotoxic chemotherapy: evidence of Leydig cell insufficiency. Journal of clinical oncology : official journal of the American Society of Clinical Oncology, 17(5), 1493–1498. https://doi.org/10.1200/JCO.1999.17.5.1493
Howell, S. J., & Shalet, S. M. (2005). Spermatogenesis after cancer treatment: damage and recovery. Journal of the National Cancer Institute. Monographs, (34), 12–17. https://doi.org/10.1093/jncimonographs/lgi003
Huang, Z., & Berg, W. T. (2021). Iatrogenic effects of radical cancer surgery on male fertility. Fertility and sterility, 116(3), 625–629. https://doi.org/10.1016/j.fertnstert.2021.07.1200
Jacob, A., Barker, H., Goodman, A., & Holmes, J. (1998). Recovery of spermatogenesis following bone marrow transplantation. Bone marrow transplantation, 22(3), 277–279. https://doi.org/10.1038/sj.bmt.1701332
Kesari, K. K., Agarwal, A., & Henkel, R. (2018). Radiations and male fertility. Reproductive biology and endocrinology : RB&E, 16(1), 118. https://doi.org/10.1186/s12958-018-0431-1
Meistrich M. L. (2013). Effects of chemotherapy and radiotherapy on spermatogenesis in humans. Fertility and sterility, 100(5), 1180–1186. https://doi.org/10.1016/j.fertnstert.2013.08.010
Okada, K., & Fujisawa, M. (2019). Recovery of Spermatogenesis Following Cancer Treatment with Cytotoxic Chemotherapy and Radiotherapy. The world journal of men’s health, 37(2), 166–174. https://doi.org/10.5534/wjmh.180043
Osterberg, E. C., Ramasamy, R., Masson, P., & Brannigan, R. E. (2014). Current practices in fertility preservation in male cancer patients. Urology annals, 6(1), 13–17. https://doi.org/10.4103/0974-7796.127008
Poorvu, P. D., Frazier, A. L., Feraco, A. M., Manley, P. E., Ginsburg, E. S., Laufer, M. R., LaCasce, A. S., Diller, L. R., & Partridge, A. H. (2019). Cancer Treatment-Related Infertility: A Critical Review of the Evidence. JNCI cancer spectrum, 3(1), pkz008. https://doi.org/10.1093/jncics/pkz008
Scovell, J. M., Benz, K., Samarska, I., Kohn, T. P., Hooper, J. E., Matoso, A., & Herati, A. S. (2020). Association of Impaired Spermatogenesis With the Use of Immune Checkpoint Inhibitors in Patients With Metastatic Melanoma. JAMA oncology, 6(8), 1297–1299. https://doi.org/10.1001/jamaoncol.2020.1641