Apesar de testes extensivos, mais da metade dos homens que se submetem a exames de fertilidade não terão causas identificáveis para sua infertilidade. Sabemos que o declínio da qualidade do sêmen humano não parece ser devido a causas genéticas, mas a fatores ambientais tais como toxinas, poluição, calor, estresse, tabagismo, consumo de álcool, sedentarismo e má alimentação. Por sua vez, esses mesmos estressores afetam a diversidade dos microrganismos que habitam as vias reprodutivas e o trato urinário e gastrointestinal e que contribuem para processos fisiológicos já demonstrados serem importantes para a fertilidade masculina. Neste post nos deteremos aos aspectos relacionados ao papel da microbiota (como é conhecida a coleção de microorganismos que habita essas vias) intestinal.
Nosso trato gastrointestinal é o lar de trilhões de microrganismos importantes para digestão e a fermentação de carboidratos, síntese de vitaminas, maturação do tecido linfóide (sistema imune) da mucosa intestinal e inibição da colonização do intestino por microrganismos patológicos, entre outras funções. A interação entre nosso sistema imunológico e a microbiota intestinal é importante para a manutenção da homeostase imunológica da mucosa e integridade da barreira epitelial intestinal, evitando a translocação bacteriana para a corrente sanguínea, a ativação exacerbada de células do sistema imune e a inflamação local e sistêmica resultante (mais sobre isso abaixo em síndrome do intestino permeável).
Enquanto várias bactérias que moram no trato gastrointestinal contribuem para processos fisiológicos, outras bactérias são prejudiciais. Quando bactérias prejudiciais predominam no nosso estômago e intestino desenvolvemos uma disbiose intestinal. A disbiose intestinal pode ser o resultado de uma dieta não saudável e inflamatória, sensibilidades alimentares, uso de antibióticos, crescimento excessivo de bactérias, leveduras ou fungos, fluxo biliar deficiente, baixo ácido estomacal, estresse crônico, ansiedade, ingestão de álcool, desequilíbrios hormonais, controle glicêmico deficiente, infecções, problemas imunológicos e alterações metabólicas diversas, entre outras causas.
A síndrome do intestino permeável, muito comum nos casos de disbiose intestinal, refere-se ao aumento da permeabilidade intestinal. Nosso intestino é semipermeável e foi projetado para permitir a passagem de micronutrientes para barrar infecções, toxinas, grandes partículas de alimentos e outros invasores nocivos fora da corrente sanguínea. A síndrome do intestino permeável ocorre quando a parede intestinal é danificada por alimentos e bebidas inflamatórios e processados, infecções, toxinas ambientais, uso excessivo de antibióticos e/ou estresse. Esses fatores alimentares, de estilo de vida e ambientais inadequados permitem que microrganismos patogênicos assumam o controle e invadam a parede intestinal e criem falhas no revestimento intestinal. Nessa situação, não apenas micronutrientes, mas também toxinas, partículas de alimentos não digeridas e micróbios passam para a corrente sanguínea causando uma reação inflamatória local e em outras partes do organismo.
Alguns dos sintomas da disbiose intestinal são leves e temporários, como uma dor estomacal ou intestinal passageira . Entretanto, alguns sintomas podem ocorrer de forma crônica como:
- Dor de estômago
- Náusea
- Constipação
- Diarreia
- Inchaço abdominal
- Dores abdominais
- Língua avermelhada, inchada ou coberta por película branca
- Gases
- Mal hálito
- Coceira vaginal ou retal
- Dificuldade em urinar
- Fadiga
- Problemas para dormir ou insônia
- Dificuldades em pensar ou se concentrar
- Confusão mental
- Memória fraca
- Ansiedade, depressão ou outros problemas de humor
- Erupções ou vermelhidão cutâneas
- Dor no peito
- Ganho de peso
- Alterações no apetite
- Resistência a insulina
- Dores de cabeça e enxaquecas
- Dores musculares e articulares
Um estudo recente de cientistas chineses sugere que a disbiose da microbiota intestinal induzida por dietas ricas em gorduras ruins e açúcares tem um papel importante na redução da produção e na motilidade dos espermatozoides. Os efeitos nos espermatozoides são provavelmente mediados pela elevação de endotoxinas inflamação epididimal e a desregulação das expressões gênicas testiculares necessárias para a produção e maturação dos espermatozoides. Infelizmente as pesquisas sobre o papel da microbiota intestinal na saúde reprodutiva masculina humana ainda são incipientes, mas estudos em animais e em mulheres já avançam para entender esse cenário. Um volume bem maior de dados existe para o papel da microbiota do sêmen. Exploraremos esse tópico detalhadamente em um post futuro.
Para lidar eficientemente com a disbiose é preciso primeiro identificar a causa raiz do desequilíbrio da microbiota intestinal. De qualquer forma é sempre bom começar adotando hábitos saudáveis de alimentação, hidratação, sono, exercício, além de gerenciar os efeitos do estresse no seu dia a dia. Tenha certeza de que sua nutrição está adequada no que tange as vitaminas do complexo B (particularmente a B6, B9 e B12), vitamina D, magnésio, beta carotenoides, selênio e zinco para citar apenas alguns. Inclua na sua alimentação folhas verdes escuras como espinafre e couve (ricas em fibras e em ferro, cálcio, vitaminas B9, C e K) e evite alimentos processados, carboidratos (pães, massas), açúcar e bebidas como sucos processados, álcool e refrigerantes. Preste atenção como seu organismo reage a alimentos que você consome. Faça exames específicos para intolerância e alergias alimentares e/ou invista em uma dieta de eliminação (onde muitos tipos de alimentos são removidos da sua dieta e, aos poucos, são re-introduzidos). Tomar pré e probióticos também pode ajudar a manter as bactérias intestinais em equilíbrio. O resultado provavelmente será melhor saúde e bem-estar que cooperarão para aprimorar suas chances de conceber.
Converse com seu médico!
Referências
Altmäe, S., Franasiak, J. M., & Mändar, R. (2019). The seminal microbiome in health and disease. Nature reviews. Urology, 16(12), 703–721. https://doi.org/10.1038/s41585-019-0250-y
Azpiroz MA, Orguilia L, Palacio MI, Malpartida A, Mayol S, Mor G, Gutiérrez G. Potential biomarkers of infertility associated with microbiome imbalances. Am J Reprod Immunol. 2021 Oct;86(4):e13438. doi: 10.1111/aji.13438. Epub 2021 May 17. PMID: 33960055; PMCID: PMC8464490.
Bieniek, J. M., Kashanian, J. A., Deibert, C. M., Grober, E. D., Lo, K. C., Brannigan, R. E., Sandlow, J. I., & Jarvi, K. A. (2016). Influence of increasing body mass index on semen and reproductive hormonal parameters in a multi-institutional cohort of subfertile men. Fertility and sterility, 106(5), 1070–1075. https://doi.org/10.1016/j.fertnstert.2016.06.041
Craig, J. R., Jenkins, T. G., Carrell, D. T., & Hotaling, J. M. (2017). Obesity, male infertility, and the sperm epigenome. Fertility and sterility, 107(4), 848–859. https://doi.org/10.1016/j.fertnstert.2017.02.115
Dardmeh, F., Alipour, H., Gazerani, P., van der Horst, G., Brandsborg, E., & Nielsen, H. I. (2017). Lactobacillus rhamnosus PB01 (DSM 14870) supplementation affects markers of sperm kinematic parameters in a diet-induced obesity mice model. PloS one, 12(10), e0185964. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0185964
Ding, N., Zhang, X., Zhang, X. D., Jing, J., Liu, S. S., Mu, Y. P., Peng, L. L., Yan, Y. J., Xiao, G. M., Bi, X. Y., Chen, H., Li, F. H., Yao, B., & Zhao, A. Z. (2020). Impairment of spermatogenesis and sperm motility by the high-fat diet-induced dysbiosis of gut microbes. Gut, 69(9), 1608–1619. https://doi.org/10.1136/gutjnl-2019-319127
Filipiak, E., Marchlewska, K., Oszukowska, E., Walczak-Jedrzejowska, R., Swierczynska-Cieplucha, A., Kula, K., & Slowikowska-Hilczer, J. (2015). Presence of aerobic micro-organisms and their influence on basic semen parameters in infertile men. Andrologia, 47(7), 826–831. https://doi.org/10.1111/and.12338
Inatomi, T., & Otomaru, K. (2018). Effect of dietary probiotics on the semen traits and antioxidative activity of male broiler breeders. Scientific reports, 8(1), 5874. https://doi.org/10.1038/s41598-018-24345-8
Javurek, A. B., Spollen, W. G., Ali, A. M., Johnson, S. A., Lubahn, D. B., Bivens, N. J., Bromert, K. H., Ellersieck, M. R., Givan, S. A., & Rosenfeld, C. S. (2016). Discovery of a Novel Seminal Fluid Microbiome and Influence of Estrogen Receptor Alpha Genetic Status. Scientific reports, 6, 23027. https://doi.org/10.1038/srep23027
Koedooder, R., Mackens, S., Budding, A., Fares, D., Blockeel, C., Laven, J., & Schoenmakers, S. (2019). Identification and evaluation of the microbiome in the female and male reproductive tracts. Human reproduction update, 25(3), 298–325. https://doi.org/10.1093/humupd/dmy048
Komiya, S., Naito, Y., Okada, H., Matsuo, Y., Hirota, K., Takagi, T., Mizushima, K., Inoue, R., Abe, A., & Morimoto, Y. (2020). Characterizing the gut microbiota in females with infertility and preliminary results of a water-soluble dietary fiber intervention study. Journal of clinical biochemistry and nutrition, 67(1), 105–111. https://doi.org/10.3164/jcbn.20-53
Lin, Y., Wang, K., Che, L., Fang, Z., Xu, S., Feng, B., Zhuo, Y., Li, J., Wu, C., Zhang, J., Xiong, H., Yu, C., & Wu, D. (2022). The Improvement of Semen Quality by Dietary Fiber Intake Is Positively Related With Gut Microbiota and SCFA in a Boar Model. Frontiers in microbiology, 13, 863315. https://doi.org/10.3389/fmicb.2022.863315
Lundy, S. D., Sangwan, N., Parekh, N. V., Selvam, M., Gupta, S., McCaffrey, P., Bessoff, K., Vala, A., Agarwal, A., Sabanegh, E. S., Vij, S. C., & Eng, C. (2021). Functional and Taxonomic Dysbiosis of the Gut, Urine, and Semen Microbiomes in Male Infertility. European urology, 79(6), 826–836. https://doi.org/10.1016/j.eururo.2021.01.014
Maretti, C., & Cavallini, G. (2017). The association of a probiotic with a prebiotic (Flortec, Bracco) to improve the quality/quantity of spermatozoa in infertile patients with idiopathic oligoasthenoteratospermia: a pilot study. Andrology, 5(3), 439–444. https://doi.org/10.1111/andr.12336
Merino, G., Carranza-Lira, S., Murrieta, S., Rodriguez, L., Cuevas, E., & Morán, C. (1995). Bacterial infection and semen characteristics in infertile men. Archives of andrology, 35(1), 43–47. https://doi.org/10.3109/01485019508987852
Nordkap, L., Jensen, T. K., Hansen, Å. M., Lassen, T. H., Bang, A. K., Joensen, U. N., Blomberg Jensen, M., Skakkebæk, N. E., & Jørgensen, N. (2016). Psychological stress and testicular function: a cross-sectional study of 1,215 Danish men. Fertility and sterility, 105(1), 174–87.e872. https://doi.org/10.1016/j.fertnstert.2015.09.016
Punab, M., Poolamets, O., Paju, P., Vihljajev, V., Pomm, K., Ladva, R., Korrovits, P., & Laan, M. (2017). Causes of male infertility: a 9-year prospective monocentre study on 1737 patients with reduced total sperm counts. Human reproduction (Oxford, England), 32(1), 18–31. https://doi.org/10.1093/humrep/dew284
Rehewy, M. S., Hafez, E. S., Thomas, A., & Brown, W. J. (1979). Aerobic and anaerobic bacterial flora in semen from fertile and infertile groups of men. Archives of andrology, 2(3), 263–268. https://doi.org/10.3109/01485017908987323
Skakkebaek, N. E., Rajpert-De Meyts, E., Buck Louis, G. M., Toppari, J., Andersson, A. M., Eisenberg, M. L., Jensen, T. K., Jørgensen, N., Swan, S. H., Sapra, K. J., Ziebe, S., Priskorn, L., & Juul, A. (2016). Male Reproductive Disorders and Fertility Trends: Influences of Environment and Genetic Susceptibility. Physiological reviews, 96(1), 55–97. https://doi.org/10.1152/physrev.00017.2015
Silva, M., & Giacobini, P. (2019). Don’t Trust Your Gut: When Gut Microbiota Disrupt Fertility. Cell metabolism, 30(4), 616–618. https://doi.org/10.1016/j.cmet.2019.09.005
Valcarce D.G., Genovés S., Riesco M.F., Martorell P., Herráez M.P., Ramón D., Robles V. Probiotic administration improves sperm quality in asthenozoospermic human donors. Benef. Microb. 2017;8:193–206. doi: 10.3920/BM2016.0122. [PubMed] [CrossRef] [Google Scholar]
Virtanen, H. E., Jørgensen, N., & Toppari, J. (2017). Semen quality in the 21st century. Nature reviews. Urology, 14(2), 120–130. https://doi.org/10.1038/nrurol.2016.261
Wang, H., Xu, A., Gong, L., Chen, Z., Zhang, B., & Li, X. (2022). The Microbiome, an Important Factor That Is Easily Overlooked in Male Infertility. Frontiers in microbiology, 13, 831272. https://doi.org/10.3389/fmicb.2022.831272
Weng S.L., Chiu C.M., Lin F.M., Huang W.C., Liang C., Yang T., Yang T.L., Liu C.Y., Wu W.Y., Chang Y.A., et al. Bacterial communities in semen from men of infertile couples: Metagenomic sequencing reveals relationships of seminal microbiota to semen quality. PLoS ONE. 2014;9:e110152. doi: 10.1371/journal.pone.0110152. [PMC free article] [PubMed] [CrossRef] [Google Scholar]